Como todos os caminhos levam ao nada, percorrerei o que acho
mais interessante. E ele, neste exato momento, às 23h34, de uma segunda à
noite, me leva a você. Chuva de estrelas cadentes, já viu? Eu vi ao amanhecer
da minha varanda e, confie em mim, é algo único e belo. Exato, pensei em você.
Acho que você deve ser uma pessoa realizada profissionalmente, embora pudesse
ser melhor remunerada, mas que se sente contribuindo, fazendo a sua parcela
pelo bem social. E exercendo uma profissão que, se não ama, gosta muito e que,
pelo que entendi, reúne um grupo de amigas que se dão muito bem, então o
ambiente de trabalho flui gostoso e ainda há o trabalho no hospital que você
nunca chegou a me dizer qual era porque um amigo de verdade seu lhe chamou a
atenção e você me desprezou completamente, mas que julgo envolver arteterapia,
pois sei que você fez psicologia e há a palavra “arte” no seu perfil de
Facebook e há a Encontrarte. Em suma, profissionalmente, você é uma mulher
realizada. E eu preciso lhe confessar uma coisa, eu fumei um terço de um
baseado, o terço final. E estou na paranoia do meu padrasto estar na paranoia
comigo. Espero que não. Mas o que queria dizer com isso é que estou doidão.
Achei que o meu texto seria mais peculiar assim. E realmente está, está
parecendo que eu sou um stalker ou
alguma coisa assim. Hahaha. Sua vida sexual deve ser plenamente satisfeita
porque você arruma sexo com homens bem-apessoados na hora em que quiser. Puxa
acho isso tão perigoso, se for assim mesmo como imagino, ou seja, algumas vezes
com desconhecidos que encontrou e ficou na noite. Assim me parece uma
roleta-russa. Mas se essas são as regras do jogo agora, eu as renego. Renego
para mim, digo. Não as pratico. Coisa minha, anacrônica. Estou ficando velho,
quarentão. Certas coisas novas já me causam estranheza. Não tenho nada contra.
Toda forma de amor vale a pena, toda forma de amor vale amar. Acho apenas que,
dos vários sentimentos e sensações que nos trazem bem e mal-estar, a última
coisa que experimentam é amor. Amor é um negócio todo outro, é algo que vem
depois da paixão. Adoro paixão, esse passageiro e eufórico vício de um pelo
outro, onde inclusive a vida é mais sexualmente ativa. Pelo menos assim se deu
comigo. Embora com a segunda namorada, aos dezoito anos, não sei bem, passamos
seis anos juntos, meu recorde, pelo que eu me recorde, desde que perdemos a
virgindade juntos e apaixonados, como eu sempre sonhei que fosse, tive uma vida
sexualmente ativa o tempo todo, mas com a minha ex e minha melhor amiga, espero
que um dia a conheça, é uma figura com poucas papas nas línguas, embora
estejamos mais distantes e acho que isso é um movimento dela que eu tenho que
respeitar, ela está com um cara muito bacana, vivendo um ótimo momento na
carreira, ela construiu uma vida para ela que independe de mim e que toma muito
do seu tempo, sei lá, faz tempo que a gente não se vê, mas, como ia dizendo
antes de seguir por outra rota, com ela, ao contrário da segunda namorada, o
sexo diminuiu com o fim da paixão. E isso não importava para nós porque a
companhia do outro bastava. As conversas, as partidas de dominó, a certeza de
que eu a encontraria em casa ou a certeza de que ela voltaria, era tudo muito
bom. Vê-la dormir, totalmente inocente do mundo, era muito belo. Assistir um
filme, fazer compras e, principalmente vê-la tomando banho. Acho que é um
fetiche meu, acho a coisa mais linda e delicada e bela do mundo uma mulher tomando
banho, pode ser banho apressado, demorado, ver a mulher amada tomando banho é
um momento de intimidade sublime. Eu tinha esse tipo de intimidade com a minha
ex. É no tipo de relacionamento que construímos que projeto um futuro
relacionamento. Nesses moldes. Saíamos para tomar uma cerveja também com uns
amigos dela. Eu posso sair na night
com você, mas muitas vezes eu acho que preferirei ficar em casa, na minha casa,
digo. Ou que comece saindo sempre e isso vá escasseando. É o que imagino, pode
não ser verdade. Para dizer a verdade, da mesma forma que anseio por começar um
relacionamento com você – essa é uma pretensão minha que já deixei clara
anteriormente, eu espero –, eu tenho medo. Medo de sair do meu pequeno estranho
reino. De ter uma pessoa na minha vida. Uma pessoa rara como uma chuva de
estrelas cadentes. A mudança que isso traria. Será que optaríamos por uma
relação aberta? O que isso significaria? Para mim significaria que nós dois
poderíamos nos satisfazer sexualmente com terceiros, algo que você poderia praticar,
mas que eu não praticaria por pura falta de interesse. Me interessa mais você
dormir comigo que eu seja seu companheiro, cúmplice, nossa intimidade seja
profunda. E que namoremos. O que quero dizer é que se você quiser uma relação
aberta, eu aceito. Esse texto está muito doido. É muito bom escrever doidão.
Será que vou mandar isso para, você, garota da noite? Eu sei lá, mas vou
continuar a conversar contigo. Eu não sei por que você. Mas toda vez que
projeto uma namorada me vem você. Comentei até na terapia. Desse fato e que eu
só via razão para isso acontecer porque você foi a única garota que me encantou
do meu círculo social embora você esteja talvez num subgrupo com o qual eu não
interaja muito, sei lá, espero que não esteja fugindo de mim. Eu não mordo e eu
já me resignei que eu nunca vou ter você, principalmente depois de um texto
como esse. Por que resolvi escrever a carta nessa condição? Ah, porque pelo
menos alguém ouviria essa voz que também trago dentro de mim e por que não
fazê-lo para você? E também porque eu estava sem ideia do que escrever para
você e com maconha sempre tem assunto, mas é preciso uma boa cara de pau para
repartir um isso.
0h40. Fui pegar um copo de Coca. Estou ouvindo “Utopia” de
Björk, se quiser entrar no clima musical da carta coloca aí. É uma viagem. Eu
curto. Minha mãe detesta. O que posso falar de mim? Não sei, eu escrevo
compulsivamente. É o que mais gosto de fazer na vida. É estar no meu
quarto-ilha ladeado pela minha plateia cativa composta por Homem-Aranha Simbionte,
Rei Ayanami, o Coisa e Hulk, com Coca-Cola com muito gelo ou uma xícara de café
e o cigarro eletrônico, obviamente meu computador, agora com o ar ligado,
antes, durante a tarde, com a janela aberta. É o meu pequeno reino. E sim, eu
coleciono bonecos de alto nível. Mas estou terminando de pagar a minha última
compra, já tenho bonecos até demais. Que bonecos são esses? Vou lhe mostrar a
mais nova e gigantesca aquisição. A joia da minha coleção.
0h49. As fotos não fazem jus à estátua pessoalmente. Deve
estar pensando, é babaca mesmo, infatiloide, coleciona bonecos de super-heroi.
Isso é muito humilhante, sabia? Obviamente, você está lendo e vendo que é
patético. Eu queria ter uma voz diferente, que eu nunca tenha lido. Eu acho que
quando estou doidão eu encontro essa voz única. Não sei se boa ou se ruim, mas
nova, diferente do que os outros já fizeram. Essa não é uma carta de amor
tradicional. Eu não estou tenso pensando que posso dizer uma coisa equivocada,
tentando ser romântico demais, nada disso. Estou mostrando quem eu sou. O que
sinto e o que penso, especialmente em relação a você. E estou dizendo com a
maior transparência possível. Imagino, como já fiz algumas vezes, você deitada na
minha cama, de bruços, com a cabeça voltada para o meu lado enquanto escrevo,
você olha suas unhas, pintadas de vermelho, veste uma camiseta de pijama e uma
confortável calcinha e me pergunta alguma coisa. Eu olho a cena e me encanto.
Pura ilusão. Uma ilusão de você. Vinda da cabeça de outra pessoa, que você mal
conhece. Isso é esquisito. Será que esse cara é algum tipo de maníaco? Ele fez
suposições muito verdadeiras sobre o meu trabalho. Relaxe, quem tem medo sou
eu. De você. Se nos cruzássemos, não saberia como agir, bateria um pânico, eu
iria querer me enterrar. Acho que não vou mandar isso. A plateia de bonecos
quer que eu mande. Não sei, terei que reler amanhã fora do efeito. Mas acho que
não disse nada demais. A larica bateu, eu vou comer.
1h20. Porra, esqueci de fumar o digestivo. Momento.
1h27. 27, um dos meus números da sorte. Se bem que aqui não
estamos tratando de sorte. Estou tecendo um texto nada convidativo à consecução
do seu intento. Isso é uma cartinha de amor, mas cartinhas de amor são coisas
tão do milênio passado. Por isso a maconha, para dar uma pitada de século XXI.
Hahaha. Não, sinceramente, eu não estava sabendo o que dizer de cara e queria
me divertir com o resto da maconha e escrever isso para você me pareceu a coisa
mais divertida e proveitosa que poderia fazer. Sei que estou passando um
ridículo sem tamanho. Dizem que todas a cartas de amor são ridículas, mas eu me
superei. Acho que escrevi a carta de amor mais ridícula de todos os tempos.
Como queria construir com você algo que me levasse a olhar dentro dos seus
olhos e dizer eu amo você. E a recíproca ser verdadeira. Mas o que vai
acontecer é que vou virar chacota pública. Uma escolha estranha da minha parte.
Me pareceu a mais divertida de todas, a melhor forma de alocar esse tempo e
empregar essa lombra. Por que acabei com a minha última namorada, a com quem me
dei melhor na vida? Por causa da maldita cola. Ela disse que seu eu cheirasse
uma terceira vez, ela me deixaria. Paguei para ver e levei o pé na bunda. Como
não foi desgaste conjugal ou coisa que o valha, continuamos sendo amigos. E só
amigos. E, como já disse, acho que até isso está se perdendo. Para ela, vir me
ver agora não é uma questão de prazer, é de obrigação. Ou assim fantasio. Como
será que eu faria para escrever o meu blog tendo você como parte importante e
integral da minha vida? Sei que você não vai querer ter a intimidade devassada
e exposta a público. Teria que inventar uma maneira. Aliás, não precisarei,
pois a senhora chuva de estrelas cadentes não cairá por mim. Novamente me vendo
da pior forma possível. Logo eu que fui publicitário! Casa de ferreiro, espeto
de pau. Hahaha. Não pense que fiz assim como forma de escárnio. Tenho você em
mais alta conta. Chego a acreditar que poderia me apaixonar por você, suponho
que tenha qualidades formidáveis. Que vão muito além da encantadora embalagem.
Queria poder sentar e conversar bastante com você. Eu imagino um café na Praça
de Casa Forte, topa? Pois é, do nada fiz o convite que venho elucubrando há
tempos. Mas que agora, nesse momento, não me sinto nem um pouco disposto a
encarar. Eu me torno mais antissocial com a maconha. Não sei se teria coragem
de te beijar num primeiro encontro, não num café, acho muito difícil. Aliás,
você é que teria de me beijar, ou iniciar o movimento do beijo para eu
acompanhar. Foi assim que se deu com o meu primeiro beijo. Se a garota não
tivesse chamado a responsabilidade para ela, o beijo não teria rolado. Se você
tem o potencial de se tornar o amor da minha vida? Sinceramente não sei. Mas
seria bom envelhecer tenho uma companheira que eu gostasse e admirasse. Será
que você me geraria admiração? Acredito que sim. Será que você admiraria algo
em mim? Não sei o que poderia ser. Talvez haja algo de gostável em mim. Não,
acho que não estou com essa bola toda. Você pode tentar descobrir. A quem eu
estou tentando enganar? Nem a mim consigo. Este caminho que escolhi trilhar na
madrugada de hoje foi o mais divertido de todos, sem dúvida, mas você não vai
levar nem as partes sérias a sério. Acho que todo esse pessimismo é a lombra
arreando. O que mais poderia dizer a você que não disse? Sei lá, no momento, já
estou com vontade de não repartir isso com você. Você pode ter como uma ação
desrespeitosa, o que não podia estar mais distante da verdade. Só escrevi nesse
estado para ter coragem de dizer toda e qualquer coisa que me ocorresse a seu
respeito e a respeito do meu sincero interesse por você. Por você eu adaptaria
a minha rotina para lhe acomodar. Ainda estou na larica. Vou comer mais um
pouquinho. Não tinha comido nada hoje ainda. Eu costumo comer por volta do
horário que comi hoje. Isso já seria uma coisa que eu teria que mudar por causa
do relacionamento. Ah, não transo em primeiras ficadas. Só se por algum milagre
que me escapa, você conseguir me persuadir a isso. Sei que não vejo você apenas
como um cabide de buceta, como algo para ser consumido e descartado. Pelo
contrário, vejo você como uma pessoa interessantíssima que adoraria conhecer
melhor. Uma mulher que está num processo de desenvolvimento e reinvenção massa.
Se descobrindo mais mulher e mais exuberante que outrora. Assumindo mais sua
sensualidade. Pelo menos, eu acho. Mais empoderada, mais dona si mesma. Menos a
filha e mais a adulta que constrói a própria vida. Não consigo divisar se você
tem o sonho de ser mãe. Eu não tenho vocação para ser pai. Meu exemplo de vida
não serve de espelho para um filho. Tenho isso muito sólido na minha cabeça.
Mas nada que não possa ser revisto com a persuasão certa. Ah, a sua foto de
perfil parece a capa de um CD, ficou artística, esconde mais do que revela. É
interessante. Aqui no meu quarto-ilha são 2h21. E devido à grande quantidade de
café consumida hoje, não estou com sono. Estou na maresia da coisinha que
fumei, ainda bem que agora já peguei o embalo para escrever. Ainda rolando
“Utopia” de Björk...
-x-x-x-x-
14h13. Minha mãe apareceu para cortar o meu barato e me
mandar dormir. Pois é, em muitos aspectos, eu sou mais filho que adulto.
Acordei há uma meia-hora, hora que geralmente acordo mesmo e não estou lombrado
agora, então talvez a cadência e o conteúdo do texto mudem. Não tenho mais
maconha e isso não me faz muita diferença. Vou colocar “Utopia” para rolar,
tenho uma xícara de café para ajudar Tico e Teco a se entenderem. E visto uma
roupa confortável, dessas que não se veste para visitas. Não haverá visitas. Na
minha casa raramente há. Estou pensando em andar por sua causa. É preciso um
motivador para tal intento e não possuo melhor do que vossa senhoria. Eu nem lembro
o que escrevi acima, então a possibilidade de redundância é grande. Você sempre
aparece nas minhas sessões de terapia. Comecei há um mês, ontem foi a quarta
sessão e foi por falar em você que decidi escrever essa carta, mas começo a
achar uma má ideia mandá-la. Por outro lado, se não tinha nada, continuarei sem
nada ter, com a satisfação apenas de que você possivelmente vai ler isso. Mas
acho que é uma carta que me denigre mais do que qualquer outro efeito que eu
deseje alcançar. Pelo menos, na parte em que estava doidão acessei conteúdos
que não acesso normalmente, o que revela uma faceta diferente de mim. Acho que
a convidei para um café na Praça. O convite se mantém, por mais que me dê um
embrulho no estômago um encontro a dois com você. Não me sinto preparado para
isso, preferiria muito mais cruzar com você numa noite dessas e, num esforço
hercúleo, tentar uma interação. Coloquei você num pedestal e isso não é legal,
pois assim me parece que você é um ser superior e inalcançável. Tenho que
lembrar que você é um bicho humano como eu que come e caga e talvez seja capaz
de amar, por mais fora de moda que o amor esteja se tornando. Acho que vivemos
a era do consumismo de corpos. O meu não está disponível para isso, não quero
me meter nessa roda louca de ter várias parceiras só com o intuito de meter.
Primeiro que nem sei abordar garotas, segundo o sexo depois de praticamente uma
década de celibato, tornou-se algo secundário, sem a importância que o circo
midiático faz sobre o assunto. Em verdade, no sexo, pelo que me lembro, gosto
muito mais das preliminares do que da penetração em si. Sou um homem ao avesso.
Hahaha. Meu deus, como essa carta está troncha, fugiu completamente ao meu
controle e às minhas expectativas. Gostei pelo menos da comparação com a chuva
de estrelas cadentes, acho válida e bela. Como você. Ou o que suponho de você
pelo que pude aferir da sua página de Facebook. Se posso prever outra coisa
baseada em seu perfil? Que você domina um segundo idioma que suponho ser
inglês, pois as fotos do estrangeiro me parecem ser dos Estados Unidos. Não há
muito o que desvendar mais e não memorizei o seu perfil porque só o vi algumas
vezes há um tempo. Olhei para ele quando fui mandar a mensagem lhe dizendo que
comporia esse texto, mas sem escrutinizá-lo. Apenas cliquei no botão de
mensagem e escrevi o texto antes que a coragem me escapulisse. Nossa, que
calor, vou ligar o ar. Eu preciso começar a pensar em dar fim a essa carta. Ou
não. Eu sou livre para escrever o que eu quiser e você não é obrigada a ler,
embora ache que lerá porque, de alguma forma, eu desperte a sua curiosidade.
14h58. Fui cortar as unhas, estava me devendo isso. É tão
bom imaginar que estou sendo visto por seus olhos, que são eles que decifram
esses caracteres postos meio a esmo na página, sem a rigidez calculada de uma
poesia. Se consigo fazer uma poesia pensando em sua pessoa agora? Não sei,
posso tentar.
O tempo passa
E ela a bailar sem par pela vida
Gosta da liberdade de ir e vir
Nunca ficar
Ou só ficar e nada mais que isso
Numa caixa mui rubra
Guardo para ela uma luz
Que só se acende a dois
Mas ela segue a bailar só
Deixando qualquer luz para depois
15h04. Não estou muito bom para poesias, nunca fui bom de
poemas, em verdade. Chego à conclusão que tenho muito pouco a lhe oferecer, não
me enquadro nos padrões sociais vigentes e quem quer ter um namorado
“esquisito”? Nossa, acho a palavra “esquisito” muito forte para me definir,
prefiro excêntrico. A outra denota doença, essa denota comportamentos
peculiares. Tenho uma série de comportamentos peculiares e a minhas condições
social e jurídica são peculiares. Mas sou um ser humano válido, talvez um que
respeite o sexo oposto em excesso ou que esconda nesse respeito uma falta de
autoconfiança patente. Acho que só faço me denegrir nessa carta, gosto mais da
parte em que estou doidão, eu acho, pois nem revisei ainda, revisarei tudo de
uma sentada só. Acho, entretanto, que você mereça o esforço de eu lhe escrever
alguns milhares de palavras. Por mais que não tenha tido a oportunidade de
conhecer a pessoa que você é. O que tenho de você são suposições baseadas no
seu perfil de Facebook, o que é muito pouco. E que podem ser absolutamente
equivocadas.
15h20. Fui pegar um café. O que posso lhe dizer mais? Sobre
mim? Estou digitando o diário que escrevi quando internado num manicômio
privado. Por estranho que isso possa soar, a maioria das passagens é pitoresca,
não tem aquele clima de inferno que o nome “Diário do Manicômio” faz supor.
Acho que já contei isso, mas um amigo meu, cineasta, está fazendo uma produção
sobre um ano da minha vida. Ele disse que vai unir as imagens, que são
basicamente de mim escrevendo, pois é o que faço da vida, com trechos do Jornal
do Profeta, meu blog principal. Descobri que um monte de gente que eu conheço
está sabendo disso, o que me constrange deveras. Vai acabar de filmar no meu
aniversário agora em abril. Vou me sentir meio órfão dos nossos encontros e de
tentar agir naturalmente diante das câmeras. Tem sido uma experiência curiosa e
o meu lado exibicionista adora. Não sei como ele vai tecer uma narrativa só com
imagens de um cara escrevendo, como isso se sustentará sem ser absolutamente entediante
para o espectador, mas isso é o desafio dele, fiz o que me foi proposto. Quando
e se essa obra vir a luz do dia, eu te mando um link, talvez diga mais de mim
do que essa carta sem pé nem cabeça. Só estou escrevendo porque me comprometi.
E comprometo a minha imagem fazendo isso. Hahaha. É a vida que segue e como disse,
nesse breve espaço de tempo que vai do nada ao nada que é a vida, escolhi esse
caminho de deitar palavras para você porque isso me diverte. Não acredito que
vou lhe cativar com essas palavras, não como me saíram. Você é uma personagem
importante no meu imaginário, então merece, sim, que eu destine meu tempo e
intelecto e um pouco de coração a você. Digo pouco de coração porque não posso
me apaixonar por quem não conheço de fato. Nossa, quando paro um pouco para
pensar no que estou fazendo, vejo o quanto é ridículo, que papel de babaca
estou fazendo. O mais completo babaca. É isso que você deve achar de mim, se
não me achar doido. Acho que doido eu não sou, já convivi com eles e sei que
não me enquadro na categoria. Sou um ser humano carente de afeto, afeto de
amantes, que não sabe buscar tal afeto pelas vias comumente usadas e busca de outra
forma tresloucada tentar... isso é uma idiotice. Essa carta toda. Ela deveria
ser uma propaganda de mim e de tudo de maravilhoso que eu posso oferecer, amor,
compreensão, intimidade, companheirismo, amizade e todas essas coisas boas que
só um relacionamento pode fazer desabrochar na alma de um casal enamorado. Ao
invés disso, escrevo metade da carta doidão e a outra metade com o superego me
detonando. E ainda admito que coleciono bonecos! Hahaha. Pois coleciono e amo a
minha coleção. Pode ser algo que remete a infância uma indicação de uma posição
infantilizada perante o mundo, pode usar todo o seu arcabouço psicológico para
denegrir a minha coleção, mas isso não me fará menos orgulhoso dela. Acho em
verdade que eu tenho medo de assumir um relacionamento, até mais que você. E
que me autossaboto com empreitadas como esta. Se bem que posso simplesmente
deixar essa carta de lado e escrever um texto publicitário a meu respeito. Mas
não quero, não sou assim. Sou mais como esse texto. Inseguro, carente, com medo
de mulher. Um cara que vive a escrever para emprestar alguma validade à sua
existência. Um cara que, por causa desse hábito, vai se distanciando mais e
mais da sociedade a ponto de ter estranhamento quando se aventura nela. Um cara
que um dia se viu numa festa e pensou, isso é um grande teatro, todos se
arrumaram da forma que achavam mais pertinentes e vieram se exibir uns para os
outros, eu incluso. Mas acredito que tal teatro social seja a camada
superficial das relações sociais, acredito que com mais intimidade as máscaras
vão caindo e a relação passa a vir de uma parte mais profunda e autêntica do
ser. Poucas são as pessoas com quem tenho intimidade e mal as vejo, à exceção
do meu primo-irmão, com quem me sinto amplamente confortável para me repartir.
Acredito que se me desse a chance, conseguiria conversar com mais pessoas nesse
nível mais profundo, íntimo, mas não sinto empatia suficiente para isso. Cada
vez sinto menos. É aí que se encaixa um relacionamento na minha vida, vir me
resgatar desse buraco antissocial em que me enfiei, me dar a mão para sair para
o mundo de peito mais aberto, me sentindo mais válido, visto que querido e
muito bem acompanhado. Gosto de andar de mãos dadas. Um prazer simples que me
faz tanta falta e que depende integralmente do outro e da relação existente
entre ambos, pois não andaria de mãos dadas for
the sake de andar de mãos dadas, é necessário um afeto, um desejo real de
ter tal mão entrelaçada à minha. Estou escrevendo coisas mais disparatadas que
ontem. Hahaha. Vai ver que sou doido mesmo. Quero ver como vou pôr fim a essa
carta. Pois começo a pegar gosto pela escrita de novo, começo a esquentar. O
grande saco é revisar isso, reler todo o monte de baboseiras que despejei para
você, minha pequena chuva de estrelas cadentes. Será que daríamos certo, será
que aguentaríamos as manias um do outro? Será que você teria a ousadia de me
exibir como o seu parceiro, da mesma forma que me orgulharia demais em tê-la
como minha namorada? Faria um bem tremendo à minha autoestima. Nossa,
inimaginável para mim. Tenho que admitir, porém, que muitas vezes você teria
que sair sem mim, pois não sou muito dado a saídas. Nossa, e odeio essas datas
comemorativas, em especial dia dos namorados, acho o maior programa de índio ir
celebrar a data com todos os locais lotados, de restaurantes a motéis. Prefiro
comemorar uma semana antes ou depois. Para mim, em se namorando, todos os dias
são de celebração. Será que faríamos viagens juntos? Acho que desisto da ideia
de namorar. Hahaha. Odeio viajar e já tenho uma viagem agendada, passagens
compradas para Munique no final de junho. Nada contra Munique, é uma cidade
belíssima e com um grau de civilidade ímpar. Mas não gosto de sair do meu
quarto-ilha. Não gosto de sair de Recife. Mas tenho para mim que você tem
especial apreço por viagens. Aproveitar feriadões para viajar a mim me parece
outro programa de índio. Graças aos céus, ao acaso ou ao destino, tenho sido
poupado de tais empreitadas. Se encararia por sua causa? Acredito que sim. Mas
acredito que só das primeiras vezes. Depois acho que você teria que ir com os
seus amigos, pois o desconforto que se passa por causa de uma mudança de rotina
não compensa. Por que não compensa? Porque eu gosto da minha rotina, não
preciso fugir dela. Mas acho que o prazer de te ver de biquíni me animaria.
Hahaha. Acho lindo mulheres com as costas nuas. Mulheres com belas costas, como
é o seu caso. Quando chegar a cinco mil palavras eu paro de escrever. Estamos
com 4469 palavras. Falta pouco. Está me divertindo escrever isso para você,
garota da noite. Fazendo cada projeção absurda e já me dizendo um namorado
pouco empenhado, mas que dá total liberdade para você viver as suas aventuras.
Não sou aventureiro, sou um cara caseiro, o meu quarto-ilha é o meu castelo e é
preciso uma boa razão para deixá-lo. Você é a melhor razão que consigo divisar.
Mas saio também para exercitar o meu lado social. E porque, às vezes, me bate o
tédio aqui no meu mundinho onde me encerro em mim mesmo. Estou batalhando na
terapia para me tornar mais sociável, mas temo que o processo seja irreversível
ou que só se reverta com uma relação que ache válida de fato, como um namoro.
Nossa, isso se afigura como uma grande cagada que vou fazer da minha vida. Vou
virar motivo de piada. Por que passar por isso? Só porque dediquei horas a esse
texto? O Windows pede para eu reiniciar a máquina para atualizações. Vou fazer
isso enquanto considero a pertinência de publicar isso num dos meus blogs
“capilares”, como os chamo, e lhe repassar o link.
16h52. Será que o destino e os quereres de duas pessoas tão
díspares poderiam fazer suas vidas se entrelaçarem? Nossas vidas se
entrelaçarem? Acho a possibilidade disso tão remota quanto tirar na loteria. A
única diferença é que na loteria eu não jogo e, no nosso caso, eu jogo algumas
notas para você. Infelizmente, o meu hábito de ser franco atrapalhe. Não vou me
pintar como o príncipe encantado que não sou. Também não deveria me denegrir em
demasia. Essa carta está me saindo pior do que se um inimigo a tivesse escrito.
Eu, maior inimigo de mim mesmo. Hahaha. A luz do quarto vai se esvaindo com a
tarde que cai. Será que alcançarei as tais 5000 palavras antes de a noite me
alcançar? O que realmente queria dizer para você? Que eu tenho um coração
bonito, que eu sou diferente, que gostar de mim é como aprender a apreciar um
bom vinho, é um gosto adquirido que se prova recompensador do esforço. Que eu
quero reaprender a viver a dois, que tenho disponibilidade para isso. Que não
sou um cara violento nem dono da razão. Que eu respeito e gosto de ser
respeitado. Que eu acho intimidade uma commodity rara nos dias de hoje e tão
mais preciosa por causa disso. Que tenho minhas neuroses, mas quem não as tem?
Que sou bastante carinhoso quebrado o gelo inicial. Que não se preocupe que eu nunca
tomarei a iniciativa da corte, então se nada disso fizer sentido para você, seu
eu não fizer sentido para você em sua vida, minha presença não precisa nem deve
ser evitada. Mas espero pelo menos que você me conte como é o trabalho que você
faz no hospital. Guardo essa curiosidade até hoje. E acho que seja um belo
trabalho. Gosto de coisas belas. Acho você bela e com grande potencial de ser
bela também por dentro. Acho que nos daríamos bem, acho que poderíamos nos
apaixonar e até quem sabe, prêmio maior, nos amarmos. 4997 palavras. Pronto,
5000.
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Para o leitor que caiu aqui por acaso e quiser ler mais de mim, acesse o link abaixo.
http://jornaldoprofeta.blogspot.com.br/
